04 abril 2018

SETÚBAL: “Desenhar, para mim, é abraçar o mundo e a mim mesmo”


Jornalista, ilustrador, caricaturista, chargista, cartunista, cronista, artista plástico, publicitário, ator e quadrinista, Paulo Henrique Setúbal costuma dar um traço próprio aos seus personagens. Seu lápis é afiado e ele tem afinidades com a pintura, o teatro, o cinema e a publicidade. Seu desenho é um conjunto de leveza, expressão e humor. A ideia e a ação se completam fazendo da imagem retratada algo de uma força que faz do expectador um vidente da alma do seu caricaturado. Ele desnuda toda a intimidade do modelo de tudo que o cerca. A escritora e esposa de Jorge Amado, Zélia Gattai o definiu como o mago das caricaturas. Seu traço, para muitos, tem sete vidas, sete fôlegos, sete técnicas que vão desde o nanquim ao guache, passando pelas colagens, reticulas, o que estiver à mão. Dono de um talento imenso, Setúbal pinta e borda. O anjo torto desafina o coro dos contentes e é capaz de fazer rir e refletir com sua galeria de tipos caricaturados. Versátil, eclético, ele é “o Hermeto Paschoal do desenho”, como se definiu certa vez. Na coletânea A Cara do Traço (19910 ele afirmou: “Desenhar, para mim, é abraçar o mundo e a mim mesmo”.   Ele vai do pastel seco ao nanquim, passando pelo óleo, aquarela e acrílica. Criou os quadrinhos Maré Mansa, reflexo da vida baiana, os personagens Argemiro e Garibaldo. Seus trabalhos foram publicados no Jornal da Bahia, Diário de Notícias, Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, A Tarde, Pasquim, Jornal de Salvador, Jornal da Pituba, revistas Viver Bahia, Panorama, Exclusiva, Nave/RJ, Pau de Sebo, Revista da Bahia, Veja Bahia, entre outras.

Confira a entrevista a seguir:


No início por que você optou pelo desenho de humor?

SETÚBAL - Em nós, brasileiros, o humor é algo nato. Nas nossas conversas pessoais e relações de amizade estamos sempre buscando tratar assuntos sob o prisma do humor, encaixando um comentário jocoso, um chiste, deixando claro que interiormente somos dotados de natural alegria, mesmo que a vida nos seja custosa. Tem tudo a ver com a formação da raça brasileira, somos um povo relativamente jovem, que foi se formando com a colonização lusa, um híbrido feito de sangue europeu, sangue negro, sangue índio, suas histórias, tradições, costumes, erros, acertos, por mais que os que as autoproclamadas elites, compostas por pretensos arianos tupiniquins, queiram negar isso. Seja como for, cada um de nós cresce cultivando esse humor que trazemos de berço, e o mostramos através de brincadeiras com os mais íntimos, comentários, forma de narrar acontecimentos. Não é à toa que nesse país tantos façam do humor a sua profissão. Para chegar a ser um profissional dos cartuns, charges tiras, quadrinhos e das caricaturas, em mim o humor foi sendo cultivado desde a mais tenra infância, em Candeias, BA, cidade onde nasci. Em parte, vinha de minha família, de meus amigos, de programas de rádio, em um tempo que a internet não existia. E vinha em boa parte através das revistas de histórias em quadrinhos que meu pai me comprava sem os preconceitos habituais dos adultos da época.

Tudo isso levou você a trabalhar profissionalmente com o humor gráfico.

SETÚBAL - Na verdade, minha formação nunca se limitou ao humor, apesar dele protagonizar o que faço profissionalmente na vida. Eu via toda sorte de bons filmes, lia quadrinhos diversificados. Um pouco mais adiante veio Monteiro Lobato e mais adiante vieram livros de miríades de bons autores que me deram uma visão mais ampla do mundo e o prazer de perceber como um grande escritor trata com maestria as palavras, construindo com elas um mundo de delícias. Quanto à feitura de cartuns e caricaturas, especificamente, toda influência veio dos grandes mestres que eu via e curtia desde minha pré-adolescência, cartunistas maravilhosos que publicavam em revistas de grandes tiragens, como Ziraldo, Millôr Fernandes, Carlos Estevão, Borjalo, Appe, Fortuna, Nássara, Caulos, Zélio. E mesmo uma galera bem anterior, que descobri só depois, como J. Carlos e tantos e tantos mais. Mais adiante, a turma do Pasquim – fundamental para que eu me tornasse um cartunista de profissão - que tinha um grande número de feras, o eterno Ziraldo, Jaguar, Henfil, Guidacci, Loredano e um monte de gente boa de texto e de cuca, questionadores, provocadores. Vindo depois nessa trilha aberta, gente maravilhosa como Laerte, Angeli, Luiz Gê, Glauco e um monte de gente boa. Claro que eu desejava - e todo mundo de minha geração queria - fazer parte dessa seleta trupe, dessa gente admirada e amada que, ao abordar os temas, mostrava uma elevada dose de inteligência, de consciência política e social. Tinham o dom de parecer adivinhar tudo que nós, pessoas comuns, queríamos dizer, mostrando uma lucidez política que a maioria que continua na ativa segue mostrando. Buscar seguir-lhes os passos tornou-se algo inevitável.


O desenho é uma forma de fazer política?

SETÚBAL - O ser humano é um animal político, quer o sujeito aceite isso, quer não. Não existe essa história de ser neutro. Há os que têm a ilusão de que isso seja algo possível e sai anunciando aos quatro ventos a sua suposta neutralidade, o que nos traz à memória O analfabeto político, de Brecht. E ficamos certos de que não importa que uma pessoa carregue uma placa dizendo “sou apolítico” ou a famosa “não sou direita nem de esquerda”. Isso pode até revelar certos sujeitos preferem camuflar suas crenças malsãs. Se alguém diz que é apolítico, que não se envolve, não faz escolhas, que não se manifesta, não emite opiniões quando necessário se faz, se aceita tudo que lhe determinam, normas e leis inaceitáveis, impostas sem consulta prévia, esse alguém está fazendo política, sim, e da pior forma. Quando Pablo Picasso pintou Guernica, mostrando destemor e consciência social, estava fazendo política. Quando um cara como Romero Britto pinta o que pinta, também está fazendo política, ainda que pense que não está.


Como fica a consciência política das pessoas no mundo atual?

SETÚBAL - Eu me pergunto como é possível que alguém com um mínimo de conhecimento da História e de consciência social, possa - sob quaisquer pretextos - aplaudir golpes e ditaduras? Pois aqui no Brasil, sob a batuta das grandes mídias, estamos vendo um crescente número de pessoas da população, gentes com as quais convivemos cotidianamente, repetindo insensatamente o discurso que essas grandes mídias estão, de forma massacrante, enfiando na cabeça de todos. Estão assimilando uma maneira de pensar equivocada que ampara tudo o que há de mais torpe no empresariado, na política, no judiciário, nas instituições oficiais, sempre manipulando, escondendo seus reais motivos, distorcendo fatos, ocultando a preponderante ingerência e o papel destrutivo de certos países estrangeiros que sempre buscam relegar o Brasil a um papel subalterno. Isso, é claro, não é novo, há mais de 50 anos, um poema de Eduardo Alves da Costa, “No caminho com Maiakóvski”, já dizia: “Mal sabe a criança dizer “mãe” e a propaganda lhe destrói a consciência”. Hoje, o poder de fogo das mídias aumentou em muito e, através delas, são disseminados uma descrença enorme, um niilismo destruidor e, principalmente, um ódio muito grande direcionado contra as pessoas que não aceitam baixar a cabeça para tais arbitrariedades, que não aceitam serem manipuladas como vacas de presépio. No Brasil essas coisas são cíclicas, volta e meia esses fantasmas, esses bandos de zumbis, deixam suas tumbas para assombrarem o país e, infelizmente, arrastam consigo uma vasta multidão de alienados em transe gritando seus equívocos e nosso cotidiano vira uma espécie de guerra civil.


Diante de tudo isso, como encarar a política?

SETÚBAL - É doloroso ver pessoas simples do povo, comportando-se assim, de forma tão equivocada, como se - mesmo sendo nordestinos, negros, mulatos, pobres – ao repetir o discurso que lhes chega através das grandes mídias, passassem, em um passe de mágica, a serem lídimos integrantes das tais elites, tornando-se parte dela. Mais terrível ainda é ver que pessoas com estudo, que sempre tive na conta de gente bem informada, consciente, atilada, estão mostrando uma faceta tristemente alienada, retrógrada, não faltando até os que, crendo-se democráticos e altruístas, flertam com o fascismo. Lembremos que fazer política tem um sentido amplo. Quando você se posiciona contra a discriminação racial, étnica e social, está defendendo o que você acha justo, afirmando seus valores, assumindo posição em prol de uma sociedade melhor, mais justa, mais humana. Então, nesse momento em que você se posta a favor da causa dos negros, dos homossexuais, das mulheres discriminadas, da liberdade de credo, está fazendo política. E não é preciso que você seja negro, mulato, pobre, homossexual ou mulher, para se manifestar contra as arbitrariedades que você vislumbra nas ações alheias. É tudo uma questão de não agir pensando de forma egoísta, mesquinha, achando que se você está bem, o resto não importa. Entre nós a alienação às vezes é tão grande que vemos pessoas que compõem as chamadas minorias oprimidas, discriminadas racial e etnicamente, os negros, homossexuais, nordestinos, os muito pobres, colocados à margem de tudo, e etc., se postarem de forma aberrante ao lado de políticos abjetos e de grupos que são, disfarçada ou abertamente, contra negros, contra homossexuais, taxando pessoas pobres de vagabundos, discriminando mulheres, enaltecendo a tortura, trabalhando pela supressão total de direitos fundamentais conquistados com muita luta, pelo fim dos deveres do estado brasileiro para com a população, no que se refere à educação, saúde, segurança.


Diante disso, como têm se posicionado os profissionais do cartum e dos quadrinhos?

SETÚBAL - Lamentavelmente, de tempos para cá estamos vendo muitos artistas, quadrinistas, cartunistas e caricaturistas veiculando em seus trabalhos uma visão retrógrada, conservadora, equivocada, uma posição política bem à direita, defendendo posicionamentos antagônicos aos dos grandes mestres do cartum brasileiro que já citei. Millôr Fernandes dizia que “jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”. Pois cartuns e cartunistas que não servem às causas populares, são uma abominável excrescência. Sabem desenhar, conhecem mecanismos de humor, mas política e socialmente são desastrosos, reproduzem o discurso direitista de que esquerda e direita são uma coisa só, que todos os políticos são, sem exceção, uns consumados corruptos. Ora, isso equivale a dizer que pessoas tão íntegras quanto um Darcy Ribeiro, um Carlos Niemeyer, um Chico Buarque, um Taygara, um Henfil e tantas pessoas mais, idôneas, íntegras, batalhadoras, conscientes, éticas, historicamente identificadas com o pensamento de uma política de reparação das injustiças, de diminuição dos abismos sociais são o mesmo que um monturo de direita, ganancioso, excludente, que vive lesando o país. As pessoas que defendem pontos de vistas que são considerados de esquerda batalham por uma razão política que pode estar longe de ser perfeita, mas são elas que carregam as bandeiras principais por melhorias para o coletivo em todos os planos, por uma sociedade mais justa. Perfeito, infalível, ninguém o é e temos que ter em mente que pessoas e partidos à esquerda, se são corretos na sua essência, são passíveis de incorrer em erros de estratégia, em avaliações e decisões equivocadas, o que não as inviabiliza, não as tornam similares ao que há de pior na política. Esse deplorável lote de cartunistas alinhados com a direita é um insulto à memória de caras como Henfil e Millôr, cartunistas conscientes, destemidos, que sempre arrostaram os poderosos e seu jogo sujo. 


Como você começou a fazer quadrinhos?

SETÚBAL - Com a mesma intenção que toda a raça humana, sempre demonstrou desde a era das cavernas: tentando reproduzir através de desenhos as coisas que nos seduzem, que embevecem nossos sentidos, olhos, ouvidos, alma, tudo com o que nos identificamos. Eu lia os gibis, via filmes e depois, em casa e até na escola, rabiscava cada folha de papel que me caísse às mãos, tentando trazer a beleza plástica que eu enxergava, as emoções que me faziam sentir. E tome-lhe cowboys atrás de pedras atirando certeiramente em índios, e tome-lhe pistoleiros com máscaras e chapéus negros empunhando suas pistolas. Essa prática de desenhar foi me acompanhando, e na pré-adolescência, quando eu já morava no interior de SP, vieram as primeiras HQs, que eu fazia a lápis, em papéis de embrulhar pão da mercearia de meu pai ou em folhas de cadernos de desenhos. Eu criava personagens e os argumentos, à medida que ia desenhando tudo, e produzia dezenas de histórias em quadrinhos. Depois saboreava o sucesso, mostrando as HQs para os amigos. Então apareceram, entre esses amigos, aqueles que também gostavam de fazer quadrinhos. Era uma festa. Passado o entusiasmo inicial, a maioria desistia para fazer outras coisas, mas eu continuava achando tudo aquilo o maior prazer que um menino podia ter. Comecei a buscar contatos para fazer a coisa de forma mais profissional. Fui aprender bem depois a trabalhar com nanquim, a fazer as primeiras HQs mais bem elaboradas. Cursei, em Sampa, a Escola Panamericana de Artes, tive contato com alguns profissionais consagrados, frequentei o estúdio do grande Ignácio Justo, que na verdade era a sala de sua própria residência, e ele foi generoso para comigo, me deu dicas incríveis, que sempre me ajudaram muito. Foi ele quem me apresentou às canetas com tinta nanquim. Também tive contato com Jayme Cortez, que trabalhava em uma agência de publicidade. Aí, em 1974, mudei de Sampa para Salvador.


Como foi essa mudança para sua carreira?

SETÚBAL - Nesse mesmo ano de 1974 busquei publicar na grande imprensa local. Corri redações mostrando meus desenhos, conseguindo publicações de cartuns em um suplemento do Jornal da Bahia, o Joba, onde Cedraz publicava seu personagem, Jobinha, e outros. Como não havia trabalho contínuo, passei a pintar e comercializar telas mostrando casarios da Bahia. No ano seguinte, trabalhei uns meses no Diário de Notícias, depois tentei a Tribuna da Bahia. Como eu fazia caricaturas do tipo portrait-charge, o diretor Walter Pinheiro começou a comprar e publicar. Na Tribuna conheci Lage, que fazia as charges, quadrinhos e tirinhas e ainda ilustrações para algumas colunas. Nessa época, através de Lage conheci Nildão, Gutemberg Cruz, Aps, Osmar “Marrom” Martins e outros mais. Nildão, Lage e Gutemberg me falaram que dos planos para lançar um jornal alternativo, o Coisa Nostra. Fui logo integrado ao grupo fazendo cartuns e quadrinhos, a página Maré Mansa, com tipos e linguajar bem do povão baiano, coisa que sempre me encantou. Um pouco depois, passei a colaborar com o delicioso tablóide Na era dos Quadrinhos, editado por Gutemberg Cruz, onipresente quando o assunto era fazer e divulgara a arte dos quadrinhos. Desenhar para o Na era foi muito legal. Então surgiu o Correio da Bahia, em 1978, e fui contratado para fazer charges, caricaturas e ilustrações. No Correio fiquei por volta de uns oito anos. Depois veio o jornal A Tarde, que me contratou depois de um período de anos que passei como colaborador. Dr. Jorge Calmon foi determinante nessa minha contratação.  Em 1993, tentando ver se melhorava economicamente minha vida, deixei A Tarde para ocupar um cargo no judiciário, em Juazeiro, BA. Morando lá, intensifiquei minha produção como artista plástico, participei e ganhei prêmios em Salões de Arte do Governo do Estado da Bahia, ilustrei livros de escritores, que é um trabalho que me dá enorme prazer de fazer. Retornei para Salvador em 1999 e, embora tentasse, não consegui voltar a trabalhar em redações. Encontrei um mercado fechado às minhas pretensões, outras caras no comando, outras intenções e preferências. A opção que parecia mais viável profissionalmente seria eu sair da Bahia, abrir mão de familiares e amigos, voltar para São Paulo, que eu deixara para trás há tanto tempo, tentar jornais, revistas, buscar um lugar ao sol, em um mercado supostamente mais amplo e estável. A fazer uma mudança radical dessas, preferi ficar na Bahia, pintando telas, fazendo frilas e caricaturas ao vivo em eventos.



Como se deu o processo de criação da tira Argemiro?

SETÚBAL - Quando eu estava fazendo trabalhos para a Tribuna, um seu diretor, Walter Pinheiro, me chamou e disse que tivera a idéia para uma tira falando de coisas do cotidiano. O nome do personagem também foi criado por ele. O visual de Argemiro era meu, não me lembro se baseado em algo que Pinheiro também bolara. Trabalhamos juntos por um considerável período, ele passando a ideia e eu fazendo os desenhos. Depois Pinheiro foi se cansando, até que o gosto de fazer ou mesmo as ideias, deram tilt. Aí coube a mim fazer tudo, criar o conteúdo e desenhar. Uma coisa nunca esqueci: a primeira providência do empresário foi deixar claro que eu não tinha nenhum direito algum sobre o personagem, abria mão dele, assinei contrato e tudo nesse sentido. No momento de assinar eu só pensava que foi bem por aí que os criadores do personagem Super-Homem, Jerry Siegel e Joe Shuster, ficaram na saudade, sem ganhar um único centavo pela criação do personagem de Kripton, uma mina de ouro que parece inesgotável. O american way of life, que tantos enaltecem, comporta injustiças assim, o capitalismo não brinca quando o assunto são lucros, joga sujo com a maior naturalidade, sem remorsos. O lado humano não conta, tudo é uma questão de business. Joe e Jerry caíram em uma armadilha dos seus editores e tiveram seus direitos subtraídos por eles. Com a mudança nas leis dos direitos autorais, a viúva de Siegel e sua filha pelejam arduamente, em luta desigual contra a Warner Bros para conseguir uma parte dos lucros que o Super-Homem produz. Por aqui, as pessoas têm o hábito de copiarem o que há de pior nos EUA, tudo em nome da Lei do Gerson. Quanto a mim, precisando ganhar espaço naquele momento, topei sem pestanejar, tanto mais que a ideia original viera mesmo do citado diretor. Não me lembro quanto durou Argemiro, nem jamais soube que espécie de público o lia, mas era sempre divertido fazer as tiras e quadrinhos com ele, um desenhista tem que estar sempre na atividade se quiser se aprimorar.


E a tira Maré Mansa? 

SETÚBAL - Quando fui colaborar com o pessoal da Coisa Nostra, vi logo que o pessoal era bom e estava preparado para receber novos trabalhos sem determinar o que fazer. Ao sair de Candeias, interior baiano, fui direto pra São Paulo. Não havia morado na Bahia, que é como aqui chamamos a capital, Salvador, também conhecida como Soterópolis. Morei em SP parte da minha infância, toda a adolescência e boa parte da idade adulta. Então quando cheguei a Salvador, foi um choque cultural enorme, positivo e gratificante. Era um mundo novo para mim, eu adorava tudo e sigo adorando depois de tanto tempo. Chamavam-me a atenção, sobremaneira, o linguajar, os tipos populares e seu modus vivendis. Fiz Maré Mansa tentando, como de hábito, passar minhas impressões do que captava ao meu redor. Curtia muito desenhar os tipos, reproduzir diálogos que ouvia, termos, expressões bem do povão soteropolitano. De certa forma sou um precursor do Dicionário de Baianês, de Nivaldo Lariú, e do filme Ó pai, ó! Rsrs. Lembro bem que Nildão, Lage, Gutemberg Cruz e todos os demais gostaram muito, então acho que eu ia por um bom caminho, pena que o Coisa Nostra durou apenas quatro números. Foi uma época maravilhosa onde encontrei o melhor dos ambientes, conheci um grupo maravilhoso de grandes amigos, gente super do bem, altamente inteligente, ética, solidária, desprendida, bem-humorada, parceiros sem máculas, amigos de verdade. Foi o melhor grupo de amigos que participei nessa vida. Mantenho amizade com todos até hoje, embora os veja pouco por conta dos rumos diferentes que a gente vai tomando na vida. 




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