05 setembro 2017

Envelhecer com dignidade

Quando o Brasil tinha menos de dois milhões de pessoas com mais de 60 anos, em meados do século XX, Cecília Meireles escreveu este poema: “Eu não tinha este rosto de hoje,/ Assim calmo, assim triste, assim magro,/Nem estes olhos tão vazios,/Nem o lábio amargo.//Eu não tinha estas mãos sem força,/Tão paradas e frias e mortas;/Eu não tinha este coração/Que nem se mostra.//Eu não dei por esta mudança,/Tão simples, tão certa, tão fácil:- em que espelho ficou perdida/A minha face?”


Naquele tempo a face da velhice era escondida do mundo. Velho ficava em casa, sem muita serventia. Para muitos a velhice era cruel. Com o tempo, perde-se células cerebrais, força muscular, capacidade de enxergar de perto, a pele fica mais fina, os ossos mais frágeis, não se percebe os sons mais agudos e os cheiros mais sutis. Fica-se mais lentos e sente-se mais frio.

Até o início do século 20, a média de duração da vida, nos países desenvolvidos, mal chegava aos 40 anos. O saneamento básico, as vacinas, os antibióticos, todo o progresso da ciência mudou radicalmente esse quadro. A partir do século 20a expectativa de vida aumentou de 40 para 70 anos de idade. O Brasil é um dos dez países do mundo com maior número de pessoas acima de 60 anos: 26, 1 milhões em 2013. Entre 2005 e 2015, a proporção de idosos de 60 anos ou mais, na população do País, passou de 9,8% para 14,3%. Os dados são do estudo “Síntese de Indicadores Sociais (SIS): uma análise das condições de vida da população brasileira 2016”


É a faixa etária da população que mais cresce. Chegar ativo aos 80 anos não é só um privilégio. É uma conquista diária de todos aqueles que não se intimidam com a idade. Nos últimos 60 anos, a face da velhice não parou de mudar, cada vez mais exposta ao mundo.

Por sua expressiva participação e atividade na sociedade, quer direta ou indiretamente, o idoso não pode ficar à margem da vida nacional. Os desafios trazidos pelo envelhecimento da população têm diversas dimensões e dificuldades, mas nada é mais justo do que garantir ao idoso a sua integração na comunidade. A Política Nacional do Idoso estabelecida através da Lei nº 8.842 de 04.01.94, e regulamentada pelo Decreto nº 1.948, de 03/07/96, objetiva colocar em prática, ações voltadas, não apenas para os que estão velhos, mas àqueles que vão envelhecer, no sentido de garantir melhor qualidade de vida ao idoso.



Este diploma legal prevê a co-participação dos conselhos nacionais, estaduais e municipais na promoção social em relação ao idoso, bem como lista as competências das várias áreas e seus respectivos órgãos, como a saúde, educação, habitação etc. Nesta relação do que compete às entidades públicas, encontram-se importantes obrigações, como estimular a criação de locais de atendimento aos idosos, centros de convivência, casas-lares, oficinas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros; apoiar a criação de universidade aberta para a terceira idade e impedir a discriminação do idoso e sua participação no mercado de trabalho. Entretanto, a legislação existente, embora farta e detalhada, não tem sido eficientemente aplicada. Isto se deve a vários fatores, que vão desde contradições dos próprios textos legais até o desconhecimento de seu conteúdo.


Na análise de muitos juristas, a dificuldade de funcionamento efetivo daquilo que está disposto na legislação está muito ligada à tradição centralizadora e segmentadora das políticas públicas no Brasil, que provoca a superposição desarticulada de programas e projetos voltados para um mesmo público. A área de amparo à terceira idade é um dos exemplos que mais chama atenção para necessidade de uma intersetorialidade na ação pública, pois os idosos muitas vezes são “vítimas” de projetos implantados sem qualquer articulação pelos órgãos de educação, de assistência social e de saúde.


O envelhecimento da população influencia no crescimento econômico, investimentos e consumo, mercado de trabalho, transferência de capital e propriedades, pensões e impostos, assim como, na assistência prestada de uma geração a outra. O envelhecimento da população também afeta a saúde e a assistência médica, a composição e organização da família, a casa e as migrações. No plano político, o fenômeno do envelhecimento da população interfere nos processos eleitorais e na representação parlamentar, já que as pessoas de idade lêem mais, assistem aos noticiários, se mantêm informadas e votam num percentual mais elevado que qualquer outra faixa etária. Hoje em dia, é inegável, que os idosos representam uma força de trabalho que cada vez mais está sendo reconhecida. São milhares deles que viajam pelo mundo todo, fazendo surgir, por exemplo, agências de turismos, hotéis e casas de espetáculos especializados na terceira idade, o que significa um grande potencial econômico.

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