29 abril 2011

Música, música & Poesia, poesia

Que País é Este? (Renato Russo)


Nas favelas, no senado

Sujeira pra todo lado

Ninguém respeita a Constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é este

Que país é este

Que país é este

No Amazonas, no Araguaia iá, iá,

Na Baixada Fluminense

Mato Grosso, nas Gerais e no

Nordeste tudo em paz

Na morte eu descanso, mas o

sangue anda solto

Manchando papéis, documentos fiéis

Ao descanso do patrão

Que país é este

Que país é este

Que país é este

Que país é este

Terceiro mundo, se for

Piada no exterior

Mas o Brasil vai ficar rico

Vamos faturar um milhão

Quando vendemos todas as almas

Dos nossos índios em um leilão

Que país é este

Que país é este

Que país é este



Manda Chamar (Roberto Mendes e Capinam)

Manda chamar os índios

Manda chamar os negros

Manda chamar os brancos

Manda chamar meu povo

Para o rei Brasil renascer

Renascer de novo.


Manda chamar os bichos

Manda chamar a mata

Manda chamar a água

A terra, o ar e o fogo

Para o rei Brasil renascer

Renascer de novo.


Manda chamar Tupã

Manda chamar Olorum

Chamar o Deus do povo.

Para o rei Brasil renascer

Renascer de novo.


P e r d a ( H a g a m e n o n d e J e s u s)

Não se perde

o sol

que se esconde a cada dia

não se perde


O vôo

do pássaro, desconhecido,

de gaivota

andorinha: intenção sem rastros,

não se perde,

não se perde

uma só que seja das andorinhas.


Não se perde

o fruto

da goiaba

o fruto (mesmo se está

bichado ) da goiaba.



Na natureza,

a sua transformação,

nada

se perde, em verdade,

nem os ossos sem história.


Perda

só podem ser os nossos sonhos,

só podem ser os nossos desejos

indefesos

mais que o cair da tarde

mais que o cair da tarde.



No Caminho, com Maiakóvski (Eduardo Alves da Costa)



Assim como a criança

humildemente afaga

a imagem do herói,

assim me aproximo de ti, Maiakóvski.

Não importa o que me possa acontecer

por andar ombro a ombro

com um poeta soviético.

Lendo teus versos,

aprendi a ter coragem.


Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz, e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.


Nos dias que correm

a ninguém é dado

repousar a cabeça

alheia ao terror.

Os humildes baixam a cerviz;

e nós, que não temos pacto algum

com os senhores do mundo,

por temor nos calamos.

No silêncio de me quarto

a ousadia me afogueia as faces

e eu fantasio um levante;

mas manhã,

diante do juiz,

talvez meus lábios

calem a verdade

como um foco de germes

capaz de me destruir.


Olho ao redor

e o que vejo

e acabo por repetir

são mentiras.

Mal sabe a criança dizer mãe

e a propaganda lhe destrói a consciência.

A mim, quase me arrastam

pela gola do paletó

à porta do templo

e me pedem que aguarde

até que a Democracia

se digne aparecer no balcão.

Mas eu sei,

porque não estou amedrontado

a ponto de cegar, que ela tem uma espada

a lhe espetar as costelas

e o riso que nos mostra

é uma tênue cortina

lançada sobre os arsenais.


Vamos ao campo

e não os vemos ao nosso lado,

no plantio.

Mas ao tempo da colheita

lá estão

e acabam por nos roubar

até o último grão de trigo.

Dizem-nos que de nós emana o poder

mas sempre o temos contra nós.

Dizem-nos que é preciso

defender nossos lares

mas se nos rebelamos contra a opressão

é sobre nós que marcham os soldados.


E por temor eu me calo,

por temor aceito a condição

de falso democrata

e rotulo meus gestos

com a palavra liberdade,

procurando, num sorriso,

esconder minha dor

diante de meus superiores.

Mas dentro de mim,

com a potência de um milhão de vozes,

o coração grita - MENTIRA!

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

28 abril 2011

30 anos sem Glauber: O homem é mais forte que a morte (04)

Ele era capaz das mais apaixonadas adesões e das mais enfáticas críticas a amigos e inimigos.

Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente inovadores.

Dava declarações sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a ninguém, a não ser à sua integridade intelectual.

Era um sujeito anacrônico.

Para ele, era preciso, urgente,desenvolver o conhecimento da cultura brasileira, vasculhar as raízes, revolver o passado, por mais trabalho que desse.


Num 22 de agosto, há 30 anos, ele morria sem ter completado sua obra, mas deixando atrás de si uma marca profunda de sua viagem pelo horizonte social do País.

“Meu filme – dizia o diretor – é um touro miúra que não se acredita na banheira rubra do toureiro. Miúra, na gíria do cinema nacional, é aquele tipo de filme que pega o espectador pelas orelhas e o encara no olho. Obriga a saber que está vendo, ouvindo e sacando um filme: o miúra não dá tréguas e no final parte da plateia está por terra, outra exaltada, outra vomitada”


Em janeiro de 1971, Glauber viaja para Nova York e inicia um exílio de cinco anos, enquanto a repressão política recrudesce no país. Em 1972 concluiu “Câncer”, um 16mm começado em 1968 no Brasil. Em 1974 o inacabado “Brasil 68” e “História do Brasil”, documentário feito na Itália. Entre 1971 e 74 realiza os super 8 “Leiticia”, “Mossa no Marrocos”, “Super Paloma” e “Viagem com Juliet Berto”. Seu derradeiro trabalho na longa-metragem é “A Idade da Terra” (1978), alegoria de múltiplas interpretações que segundo ele, completaria a trilogia iniciada em “Deus e o Diabo”, e prosseguida em “Terra em Transe”, sintetizando os dois primeiros.


“A Idade da Terra” é filmado em Salvador, Brasília e Rio de Janeiro. Na Bahia, as filmagens despertam polêmicas e sofrem interdições. Segundo o diretor, este épico do Terceiro Mundo mostra um Cristo-Pescador, o Cristo interpretado pelo Jece Valadão; um Cristo-Negro, interpretado por Antônio Pitanga; mostra o Cristo que é o conquistador português, Dom Sebastião, interpretado por Tarcísio Meira; e mostra o Cristo Guerreiro-Ogum de Lampião, interpretado pelo Geraldo Del Rey. Quer dizer, os quatro Cavaleiros do Apocalipse que ressuscitam o Cristo no Terceiro Mundo, recontando o mito através dos quatro Evangelistas: Mateus, Marcos, Lucas e João, cuja identidade é revelada no filme quase como se fosse um Terceiro Testamento. E o filme assume um tom profético, realmente bíblico e religioso.

São dele ainda o polêmico curta “Di Cavalcanti” e o ficção “Claro”, feito na Itália em 1975.


TER CORAGEM

Além de cineasta, Glauber Rochas escreveu o romance “Riverão Sussuarana” e dois livros sobre cinema: “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro” e “Revolução do Cinema Novo”. Deixa inacabadas duas obras literárias, uma sobre o cinema estrangeiro chamada “O Século do Cinema”, e um romance inspirado na figura do falecido Presidente João Goulart, “Jango”.


“Arte – disse certa vez – só existe quando não há repressão. Mas aqui não se trata só da repressão das leis, dos códigos, da força: há também a repressão interna, o código interno. Escrever um verso é escrever a primeira coisa que vem à cabeça, a primeira loucura, o primeiro desbunde, a primeira imagem. Eu poderia até dizer que arte não tem relação direta com talento, mas sim com coragem. É preciso ter coragem para admirar uma subjetividade caótica, cósmica. Isso não quer dizer que tudo o que for liberado será belo, há uma variação, uma escala. Todo homem tem possibilidade de fazer arte, de liberar arte”.

AMBIGUIDADE


Artista de esquerda por muitos anos, mas simpatizante recente (na época) do PDS. Nem lógica., nem cartesianismo em Glauber Rocha, somente a ambiguidade e a metáfora: “Contesto a objetividade porque ela é um produto da racionalidade, que nego estruturalmente. Sou metafórico e barroco e assumo isso. A metáfora é a linguagem da poesia, o nível mais profundo da linguagem. E o barroquismo é a incorporação do sexo à vida. O que existe é um reacionarismo linguístico por parte das pessoas. Estão todos condicionados a ouvir o que querem ou o que devem ouvir e eu estou disposto a dizer o que penso, mesmo que erre”. Certo ou errado, em sua volta ao Brasil – ficou quase seis anos no exterior – Glauber Rocha foio incômodo, delirante e polêmico: “Eu vim para confundir”.


A morte da irmã Anecy, em Botafogo, levou-o a antever a sua própria morte: “Eu e minha irmã não nos vendemos à corrupção da TV, mantivemos as nossas posições políticas e ideológicas fora das posições dominantes. Anecy era uma mulher livre e digna, que se recusava a fazer novela. Estão dizendo que estou louco, pelo fato de não poderem compreender a minha dor. Eu tenho um cadáver dentro de casa e o próximo será o meu”. Mais do que dos pulmões, Glauber morreu de de desgosto, envolvido na luta cinematográfica ou, mais do que isso, cultural.

Ainda na capital baiana foi inaugurado no dia 16 de dezembro de 2008 o Espaço Unibanco de Cinema - Glauber Rocha, ex-cine Guarany e ex-cine Glauber Rocha, localizado na Praça Castro Alves. Foi um passo importante na revitalização do centro de Salvador. O novo espaço conta com quatro modernas salas de cinema, com 630 lugares ao todo, uma livraria, um restaurante e um café. A decoração do amplo espaço homenageia o cineasta baiano com painéis de cenas de filmes como “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”.


Filmografia

Longa-metragens


1961 Barravento

1964 Deus e o Diabo na Terra do Sol

1967 Terra em Transe

1968 O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (o título internacional é Antonio das Mortes)

1970 Cabeças Cortadas

1971 O Leão de Sete Cabeças

1972 Câncer

1974 – História do Brazyl

1975 Claro

1975 – As Armas e o Povo

1978 A Idade da Terra

Documentários e curta-metragens

1959 - O Pátio

1966 – Amazonas, Amazonas

1966 - Maranhão 66 B

1974 - As Armas e o Povo C

1976 - Di Glauber

1977 - Jorgamado no Cinema





Ao Glauber, uma rocha


Ele não fugia do verso exaltado

nem desfazia o ritmo acelerado

dissolvia tintas fortes, cores soltas

para encher a boca de pedras

e a oração na língua pétalas

que deixava na entrelinhas a fresta.


O enigma do ser humano lhe consumia inteiro

multiplos bardos não lhe dissolvia seu eu

reluzindo espada ativa deixava lira à deriva

mas seus sonhos prolongava suas angústias

e nos desejos, escritos, filmava o infinito.


Eram ousados lances com a seta

que por vezes estava longe da meta

mas nada desanima o eficiente guerreiro

que defendeu a sociedade nos seus versos de poeta.


E o sol castigava a terra, barravento

como câncer, terra em transe

cabeças cortadas de um dragão da maldade

ninguém jamais narrou seu país

com a imagem de um leão das sete cabeças

tinha o verso certeiro à margem dos sábios

mostra sua linguagem de versos barrocos

que pertence à linhagem solta o seu verso alado.


Hoje validaram a imagem, aceitaram sua linguagem

Deus e o Diabo na Terra do Sol

sem medo de choque frontal

mas o verso em sentido inverso

insinuante, claro, o fato, forjado no cerne

o verso passeando feito musa, naquela angústia

e o verbo correndo solto feito criança em desavoroço.


Para muitos o que ele fazia não tinha pé nem cabeça

mas o texto imagem vai deitando e rolando

sem tronco nem membros vai levando

sem nexo nem sexo vai pagando os pecados

buscando sempre o xis da questão.

Escondido êxito aberta exaltação

É Glauber, É Glauber, aquele leão!


(Gutemberg Cruz, dezembro de 2010)


Glauber tinha uma lista de projetos. Pretendia filmar Eça de Queiroz, trabalhava num roteiro sobre o império napoleônico, planejava estudar o estilo manuelino e sonhava até em preparar uma “revolução atlântica”, o que significava, pelos códigos da utopia glauberiana, “abrir as raízes transestéticas de um novo mundo”, ou seja: ele, que levava a vida juntando política e estética, propunha agora separar as duas. Queria sobretudo mergulhar em suas fontes lusitanas. Glauber amava o poeta Fernando Pessoa, o autor de “Mensagem” que ele adotara como lema o verso “louco, sim, louco porque quis grandeza” em homenagem a D.Sebastião que Glauber cultuava. Sebastião foi um ser delirante, misógeno, piedoso e ousado.

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

27 abril 2011

30 anos sem Glauber: O homem é mais forte que a morte (03)

Ele era capaz das mais apaixonadas adesões e das mais enfáticas críticas a amigos e inimigos.

Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente inovadores.

Dava declarações sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a ninguém, a não ser à sua integridade intelectual.

Era um sujeito anacrônico.

Para ele, era preciso, urgente,desenvolver o conhecimento da cultura brasileira, vasculhar as raízes, revolver o passado, por mais trabalho que desse.


Num 22 de agosto, há 30 anos, ele morria sem ter completado sua obra, mas deixando atrás de si uma marca profunda de sua viagem pelo horizonte social do País.


Em 1966, Glauber filma o documentário “Maranhão 66”, sobre a posse do governador José Sarney. O filme é construído como um verdadeiro desafio às promessas eleitorais demagógicas: enquanto o político se compromete solenemente a acabar com as misérias da região, elas são simplesmente mostradas, com uma terrível crueza, em imagens documentais.


1967 é o ano de “Terra em Transe” que procura retratar as contradições de uma sociedade que quer se transformar mas ainda está presa politicamente ao passado. A história da fictícia República de Eldorado, país imaginário da América Latina, onde o poeta e intelectual burguês Paulo Martins tenta mudar a situação de miséria e injustiça que assola o país. O filme é proibido em todo o território nacional, mas liberado e no dia 8 de maio de 1967 é lançado no Rio de Janeiro, com sucesso razoável de público.


No Festival Internacional do Filme de Locarno, “Terra em Transe” recebe o Grande Prêmio e o Prêmio da Crítica. Em Havana, é considerado pela crítica cubana o melhor filme do ano. No Rio, recebe do Museu da Imagem e do Som o Prêmio Golfinho de Ouro de Melhor Filme. No Festival de Cinema de Juiz de Fora ganha quatro prêmios: Melhor Filme, Menção Honrosa de Melhor Roteiro, Melhor Ator Coadjuvante para Modesto de Sousa, Prêmio Especial para Luís Carlos Barreto, pela fotografia e produção do filme. No mesmo ano, Glauber participa como co-roteirista de “Garota de Ipanema”, de Leon Hirszman. Escreve os textos emblemáticos: "A Revolução é uma Eztetyka"; "Teoria e prática do cinema latino-americano"; "Revolução Cinematográfica e Tricontinental" (inspirado na Conferência Tricontinental em Havana).


CINEMA MARGINAL

Em agosto de 1968, Glauber realiza em 16 mm, preto-e-branco, “Câncer”. Rodado em quatro dias, o filme foi feito com alto grau de improvisação, onde o diretor experimenta algumas técnicas que iria utilizar posteriormente. É a experiência de Glauber na direção da estética e da forma de produção do Cinema Marginal. O filme aborda temas caros ao universo da contracultura, como drogas, questões raciais e sexualidade.


Em seguida, Glauber filma, com Affonso Beato na fotografia, o documentário “1968”. Sem montagem final, o filme registra, no calor da hora, as manifestações estudantis no Rio de Janeiro. No mesmo ano, ele realiza “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, rodado em Milagres, na Bahia. Glauber ganhou a Palma de Ouro de melhor direção no 22º Festival de Cannes em 1969. O filme foi lançado no Brasil no dia 9 de junho de 1969, tornando-se o maior sucesso de público do diretor. Foi visto por um milhão e meio de espectadores brasileiros.


Nova aventura de Antônio das Mortes (nome pelo qual o filme é conhecido internacionalmente), o matador de cangaceiros contratado por um latifundiário para combater grupo de cangaceiros e beatos cujos líderes dizem ser a reincarnação de Lampião e Zumbi. A partir desta fila ele se torna o símbolo do sucesso do cinema brasileiro no exterior, e é convidado para realizar um filme italiano. Assim, filma na África (Quênia), “O Leão de Sete Cabeças”, uma produção ítalo-francesa, produzida pelo francês Claude Antoine, e protagonizada por Jean-Pierre Léaud, conhecido ator da Nouvelle Vague francesa. E no mesmo ano (1970) roda na Espanha, “Cabeças Cortad

as”, proibido aqui no Brasil durante seis anos, onde procura analisar o colonialismo no Terceiro Mundo. Segundo Glauber, "é um filme contra as ditaduras, é o funeral das ditaduras. Trato de um perso

nagem que seria o encontro apocalíptico de Perón com Franco, nas ruínas da civilização latino-americana. Filmei nas pedras de Cadaqués, onde Buñuel filmou L'Age d'Or. A Espanha é a Bahia da Europa. Cabezas Cortadas desmonta todos os esquemas dramáticos do teatro e do cinema. O cinema do futuro será som, luz, delírio, aquela linha interrompida desde L'Age d'Or."

Intuitivo, acreditando mais na catarse que na racionalidade, Glauber disse que não faz planos quando vai rodar um filme: “Não acredito em cinema planificado, porque não se pode fazer planos para uma obra de arte. Acho que um diretor não pode se limitar a rodar um filme restringindo-se ao que marca o roteiro, esquecendo-o depois que as cenas foram tomadas e deixando que outros o montem e ponham a trilha sonora. Um diretor que trabalha assim é apenas o chefe-executivo da produção, realiza uma função técnica e mais nada”.

Poemas de Glauber Rocha


Desejo

Queria você

profundamenteaberta

Num beijapaixonado

Sem memória

E futuro


Queria

O prazer desintegrado

no infintamor

De nossos corpos

Desconhecidos.


Queria um rio negro

Outro branco

Contando Vytoria

De uma tragycomedia morta.


Queria o marasmo

De tua pele viva

E a poesia da madrugada

(Los Angeles, março 1976)


1922


Meu povo é triste

de pau perado

é um povo mole alegre

do zés perado


Meu povo é doce

malandro sensual

é um povo gostoso

Dançarino musical


Meu povo é mestiço

linguarudo fofoqueiro

é um povo inteligente

ignorante e condoreiro


Meu povo é grande

no litoral e sertão

é um povo ah meu povo

é um povo revolução.

(Havana, Cuba, 1972)

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).

26 abril 2011

30 anos sem Glauber: O homem é mais forte que a morte (02)



Ele era capaz das mais apaixonadas adesões e das mais enfáticas críticas a amigos e inimigos.

Fazia filmes ao mesmo tempo reflexivos, políticos e formalmente inovadores.

Dava declarações sinceras sobre tudo, sem a preocupação de agradar a ninguém, a não ser à sua integridade intelectual.

Era um sujeito anacrônico.

Para ele, era preciso, urgente,desenvolver o conhecimento da cultura brasileira, vasculhar as raízes, revolver o passado, por mais trabalho que desse.


Num 22 de agosto, há 30 anos, ele morria sem ter completado sua obra, mas deixando atrás de si uma marca profunda de sua viagem pelo horizonte social do País.


Obra experimental, delirante, moderna de uma linguagem inventada e reinventada para exprimir suas experiência do mundo, seus conflitos ideológicos e suas próprias ambiguidades.

Ainda em 1958, Glauber acompanha o diretor italiano Roberto Rossellini em pesquisa de locações em Salvador com uma câmera 16 mm (experiência narrada em “Di”). Em 1959 começa em Salvador a filmagem de seu segundo curta-metragem, o inacabado, “Cruz na Praça”, baseado num conto de sua autoria, "A Retreta na Praça", publicado no Panorama do conto baiano. Publica artigos sobre cinema no Jornal do Brasil e no Diário de Notícias. Em 1961 Glauber finaliza “Barravento” no Rio de Janeiro, com montagem de Nelson Pereira dos Santos. A narrativa é em torno da comunidade de pescadores espoliada por um todo poderoso local. Com essa história simples e numa produção pobre, Glauber analisou o comportamento das lideranças.


Em 1962, configura-se o movimento denominado Cinema Novo. Glauber Rocha se transforma num dos integrantes mais importantes do Cinema Novo, ao estabelecer o princípio de "uma câmera na mão e uma ideia na cabeça", que deu uma identidade nova ao cinema brasileiro. Em primeira viagem a Europa, Glauber recebe o Prêmio Opera Prima no Festival de Cinema de Karlovy Vary, na então Tchecoslováquia por “Barravento”. No mesmo ano, o filme é apresentado no Festival de Sestri Levanti, Itália, selecionado para o Festival de Cinema de Londres e incluído entre os dez filmes escolhidos para o Festival de Cinema de Nova York, que inaugura o Lincoln Center for the Performing Arts. Glauber participa também do Festival de Santa Margherita, na Itália. Na ocasião, produz o curta-metragem “Imagens da Terra e do Povo”, de Orlando Senna. No mesmo ano, em carta para Alfredo Guevara, fala pela primeira vez em realizar “América Nuestra”, um épico sobre a América Latina.


Em 1963, Glauber inicia as filmagens de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” no sertão da Bahia, concluídas em quatro meses, mas lançado em 1964. Obra suprema do cineasta, o filme é uma opulência visual e imaginação sociológica numa experiência singular e plural, que inventou uma estética e visão de mundo, nas quais uma crítica social feroz se alia a uma forma de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo clássico hollywoodiano. O filme mostra uma tragédia sertaneja onde o vaqueiro Manuel e sua mulher Rosa se perdem entre um deus negro e um diabo louro, vistos de um lado por uma testemunha cega e perseguido por outro pelo jagunço Antônio das Mortes. Prêmio no Festival do Cinema Livre de Porretta, Itália. O filme representou o começo do prestígio de Glauber como cineasta. Ainda em 1963, Glauber publica o livro “Revisão Crítica do Cinema Brasileiro” pela Editora Civilização Brasileira.


ELEMENTO CHAVE

Em janeiro de 1965, Glauber lança "A Estética da Fome" - EZTETYKA DA FOME 65 -, tese apresentada durante as discussões em torno do Cinema Novo, por ocasião da retrospectiva realizada na Resenha do Cinema Latino-americano, em Gênova, Itália. Elemento-chave para a compreensão da obra de Glauber, o manifesto propõe uma estética da violência, em que o diretor defende o “miseralismo” do Cinema Novo, que deveria fazer filmes “feios, tristes, gritados e desesperados”. Caracterizando a cultura cinematográfica brasileira como “precária e marginal”, Glauber destrói mitos e propõe um cinema novo, que possui linguagem própria e está disposto a partir para a briga com o público.


De volta ao Brasil, em novembro de 1965, Glauber é preso num protesto contra o regime militar em frente ao Hotel Glória, no Rio de Janeiro, durante reunião da OEA (Organização dos Estados Americanos). Ele ficou 23 dias na prisão. No mesmo ano, Glauber associa-se a Zelito Viana, Walter Lima Jr. e Paulo César Seraceni e criam a Mapa Filmes. O nome da produtora é originário da revista cultural que Glauber dirigia na Bahia, importante mídia impressa que discutia as novas correntes cultural e cinematográficas relacionadas com a conjuntura da década de 1960. O primeiro filme da produtora foi “Menino do Engenho”, de Walter Lima Jr., que obteve um milhão de espectadores. Outra das produções emblemáticas da Mapa Filmes nessa fase é “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, maior sucesso de público de todos os filmes de Glauber, tendo obtido 1,5 milhão de espectadores. A Mapa Filmes co-produziu, também, “Cabeças Cortadas”, em parceria com Manuel Perez Estremera, que, na década de 1980, dirigiria o Departamento de Co-produções com a América Latina da TV Espanhola.


No final de 1965, Glauber Rocha viaja para o Amazonas, onde passa o Natal, e realiza, no início de 1966, em Manaus e Parintins, o curta “Amazonas, Amazonas”, seu primeiro filme colorido. Filme encomendado, do gênero documentário clássico, sobre as belezas e riquezas naturais da região Amazônica, pode ser considerado um produto tipicamente glauberiano, com arrebatamento lírico das tomadas, e a insistência bem característica sobre as preocupações nacionalistas e progressistas do diretor, com a presença muito concreta da imagem das pessoas no trabalho, nas sequências urbanas e da mercadoria.



Não me exija, coerência. Não tenho resposta na boca para todas as coisas. Sou um artista, portanto meu processo é um processo dialético entre o fluxo do inconsciente e minha razão dialética. Assim, posso mudar a qualquer momento”


Quando aceitei a profissão de fazer filmes, quis mostrar ao mundo que, sob a forma do exotismo e da beleza decorativa das formas místicas afro-brasileiras, habita uma raça doente, faminta, analfabeta, nostálgica e escrava”



Detesto a finura sutil dos machadianos, o revisionismo time-life da moçada abrilhantada. Sou homem do povo, intermediário do cujo, e a serviço” (Revista Visão, de 11/03/1974)

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Quem desejar adquirir o livro Bahia um Estado D´Alma, sobre a cultura do nosso estado, a obra encontra-se à venda nas livrarias LDM (Piedade), Galeria do Livro (Boulevard 161 no Itaigara e no Espaço Cultural Itau Cinema Glauber Rocha na Praça Castro Alves), na Pérola Negra (ao lado da Escola de Teatro da UFBA, Canela) e na Midialouca (Rua das Laranjeiras,28, Pelourinho. Tel: 3321-1596). E quem desejar ler o livro Feras do Humor Baiano, a obra encontra-se à venda no RV Cultura e Arte (Rua Barro Vermelho, 32, Rio Vermelho. Tel: 3347-4929).