23 dezembro 2009

RECANTO DO VENTO

Texto: Gutemberg Cruz
Ilustração: Estúdio Cedraz

Terceiro capítulo:

E o São João se aproximava, trazendo consigo as festas juninas. O mês de junho marca um dos mais ricos ciclos de festividades populares cristãs. A festa tem por objetivo principal homenagear três santos: Santo Antônio (dia 13), São João (dia 24), e São Pedro (dia 29). Segundo a tradição, o primeiro tornou-se um santo de grande devoção popular, pois, sob sua proteção, muitas pessoas encontravam parceiro para se casar, daí ser chamado de “santo casamenteiro”. Segundo os Evangelhos, foi São João Batista quem batizou Jesus Cristo e o anunciou como o Messias. Já Pedro, era um pescador simples, conhecido como protetor das viúvas, o porteiro do céu e padroeiro dos pescadores. Trazido pelos colonizadores portugueses, o costume de festejar o São João entrou no Brasil, principalmente nas pequenas cidades, e ficou. Na Bahia a festa vai de norte a sul, atravessando o coração da Chapada com muita fogueira, bandeirolas, fogos de artífícios, quadrilhas, forró, comidas e bebidas típicas.

Como acontece todos os anos, durante o mês de junho na Bahia é tempo de provar licores, bolos, acender fogueira, assar milho, soltar bombas e foguetes, dançar um forró bem animado. Fogueiras ardem defronte às casas. O cheiro de milho assado, pamonhas e canjicas se misturam ao da lenha queimada e da pólvora dos fogos de artifício estourados.

De um canto de rua ou de um arraiá no meio da praça vem o som do triângulo, zabumba e sanfona. É o legítimo forró, atraindo gente de todas as idades. Daqui pra frente é a poeira do arrasta-pé e o rodar das saias que vão dizer quão bom está o São João. Mas São João bom mesmo é na roça. Afinal, a origem dos festejos juninos é rural e ligada às safras, fertilidade do solo, plantação e colheita.

Os elementos símbolos do São João – fogueiras, balões, danças e adivinhações são ligadas às divindades, e são manifestações de agradecimento ou reivindicação. As cidades se transformam em espécies de aldeias todas embandeiradas, onde se revive o que há de mais enraizado na cultura popular. São João é uma das festas mais esperadas pelos baianos, depois do carnaval. Pode se dizer que toda a zona rural da Bahia comemora as festas juninas com muita autenticidade.

O que torna mais rica esta festa é a mesa farta de milhos, pamonha, amendoim cozido, cana-mirim, batata doce, inhame, jenipapo, fruta-pão, aimpim, além da laranja e outras delícias. A canjica de milho verde, o carimã e a pamonha são ingredientes básicos da culinária junina. Há ainda os licores e, entre os baianos o mais afamado é o de jenipapo. Diz os especialistas que ele só fica realmente bom depois de enterrado um ano no jardim. Não há família que, durante a festa de São João, não faça um cálice deste néctar divino. Mesmo os licores de jabuticaba, araçá, umbu, banana e outras frutas são bons. Os licores completam a ceia e o ritual dos santos.

Depois de provar dos licores, bolos e canjicas, depois de acender a fogueira, tocar bombas, foguetes e busca-pés, é hora de pegar um forró. Dançar xaxado, o baião, o xote, a sanfona gemendo no fole, a zabumba segurando a marcação, a cabocla com seu vestido de chita. É hora do arrasta-pé.

As famílias promovem batizados, casamentos matutos, concursos de quadrilhas, escolha da rainha do milho, pula-fogueira, soltam fogos de artifícios. A festa se instala na praça central, palco de shows com os principais artistas, além de apresentações de grupos folclóricos, blocos de forró (puxados por sanfoneiros) entre outras manifestações.

Toda essa manifestação em torno do São João foi o motivo que Guto encontrou para conquistar o vento Arthurzinho, a estrelinha Sonia e o sol Luiz, além da bela planta Janete a passarem os festejos juninos na sua terra do além mar: Bahia, olá olá.

Mas o que Guto não sabia era que o Arthurzinho junto com outros ventinhos e toda a ventania do sul estavam organizando uma grande festa em sua cidade. Sim, aquela cidade que tem nome de santo: São Paulo. O arraiá da capital vai reunir toda a garotada, ou melhor, a turma da ventania, para animal aquelas bandas. E tudo porque a poluição na cidade estava muito forte, e era preciso alguém tomar alguma providência.

E logo quem teve a ideia? Quem, quem, quem? Conta logo: o Arthurzinho, claro!. Vento esperto, reunir todos seus amiguinhos para uma festa junina. Assim, com todos os ventos juntos, a poluição iria sumir rapidinho daquela localidade. Mas como aqueles ventos do sul no sabia muita coisa do Nordeste, coube ao Althurzinho comandar a festa.

- Pessoal (gritou Arthurzinho), vamos ensaiar primeiro. O ano passado estive no Nordeste, na Bahia, e conheci muita coisa. Sei das danças, das canções e tudo mais. Cheguei até a cantar uma canção de um baiano com fama de preguiçoso, o Dorival Caymmi. Não, ele não estava caindo, é o nome Caymmi. Pois ele compôs a música “Vamos chamar o vento”. Sei toda a letra....

E começou a cantarolar, parecia radiante o vento Arthur, soprando pra lá e pra cá a canção de Caymmi.

Depois da conversa ele começou os ensaios. Arthurzinho seria o bumba meu boi.

“O meu boi morreu/o que será de mim?/mandas comprar outro, ó maninha/lá no Piauí”.

Era uma cantiga muito antiga que os moradores do Nordeste cantavam em tempo de festa. O auto-popular do Bumba-meu-boi conta a estória da Catirina, uma escrava que leva seu homem, o Chico, a matar o boi mais bonito da fazenda para satisfazer-lhe o desejo de grávida: comer língua de boi. Descoberto o malfeito, o fazendeiro pede que os índios capturem o criminoso. Os moradores da redondeza fazem uma forte oração, juntos de mãos dadas e pedem a Deus a volta do boi, vivo.

Para ressuscitar o boi, chama-se o doutor, cujos diagnósticos e receitas ironizam a medicina. Finalmente, ressurgido o boi e perdoado o escravo, a grande farsa termina numa festa cheia de alegria e animação. Essa brincadeira do Bumba-Meu-Boi existe em outras regiões do País, cada um com um significado, mas todas representando uma explosão de alegria, servindo como elo de ligação entre o sagrado e o profano, entre santos e devotos, congregando toda a população.

E o vento Arthurzinho estava uma verdadeira pilha naquele dia. Corria para lá e para cá com toda sua energia. Ele ensaiava a dança do bumba meu boi com sua parceira, a Marina. Êta se Odemar conhecesse a Marina, ia gostar dela...a começar pelo nome Mar...ina...

E assim, dia após dia o vento e todos do grupo ensaiavam para a grande festa. Mas por trás de toda aquela alegria, havia uma nuvem negra e malvada que não gostava nada daquilo. Era a Maria Tempestade. Ela estava escondida ouvindo tudo e planejava despejar raios e trovões no grande dia da festa.

E agora? Será que o vento Arthurzinho conseguirá realizar a tal festa junina? E a Maria Tempestade vai conseguir destruir a alegria dos ventos?

Roendo as unhas de tanto nervoso estava Guto bem longe dali, mas pressentia tudo. Será que o sol Luis e a estrelinha Soninha vão ajudar a melhorar o tempo? Não percam, mais um capítulo dessa novela.

Tchan tchan tchan tchan...

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