11 dezembro 2008

Revolução e puritanismo

Em seu livro “Pessoas Extraordinárias. Resistência, rebelião e jazz” o historiador Eric Hobsbawm dedicou o capítulo 17 a Revolução e Sexo. Diz ele: “Os sistemas de dominação e exploração de classes podem impor severas convenções de comportamento pessoal (por exemplo, sexual) em público ou na vida privada, mas também pode não o fazer. A sociedade hindu não era, em nenhum sentido, mais livre ou igualitária do que a comunidade não-conformista inglesa, pelo simples fato de que a primeira utilizava os templos para demonstrar uma grande variedade de atividades sexuais da maneira mais atraente possível, enquanto a segunda impunha restrições rígidas a seus membros, pelo menos em teoria. Tudo o que se pode deduzir desta diferença cultural específica é que os devotos indus que quisessem variar sua rotina podiam aprender a fazê-lo muito mais facilmente do que os devotos galeses”.
Para ele, “os dominadores consideram conveniente estimular a permissividade ou a lassidão sexuais entre seus súditos, nem que seja apenas para conservar seu pensamento afastado do estado de sujeição em que seja apenas para conservar seu pensamento afastado do estado de sujeição em que se encontram. Ninguém jamais impôs puritanismo sexual a escravos – muito pelo contrário. As sociedades em que os pobres são rigorosamente mantidos em seu lugar estão acostumados a certas explosões populares regulares e institucionalizadas de sexo livre, como os carnavais. De fato, como o sexo é a forma mais barata de divertimento, bem como a mais intensa (como dizem os napolitanos, a cama é a ópera do pobre), torna-se politicamente muito vantajoso, supondo-se que os demais fatores não variem, levar o povo a praticá-lo tanto quanto possível”.
“Em outras palavras – continua o historiador – não há conexão necessária entre a censura sexual ou política e a censura moral, embora frequentemente se suponha que haja. Exigir que algumas formas de comportamento não permitidas sejam publicamente admitidas só é um ato político se implicar uma mudança nas relações políticas (...). Nos últimos anos, as proibições oficiais ou convencionais sobre o que pode ser dito, ouvido, feito e mostrado em público – como também na vida privada – a respeito do sexo têm sido virtualmente abolidas em vários países ocidentais. A crença de que uma moralidade sexual rígida é um baluarte essencial do sistema capitalista já não é mais sustentável, assim como também não o é a crença de que a luta contra tal moralidade é premente. Há ainda alguns poucos que se lançam em Cruzadas anacrônicas imaginando-se vigorosos combatentes contra uma fortaleza puritana – mas a realidade é que suas mulheres já foram praticamente demolidas”.
Segundo o historiador, a batalha pelo caráter público do sexo já foi ganho mas isto não trouxe a revolução social para mais perto. A ordem social permaneceu inalterada. Diz que não há conexão intríseca entre permissividade sexual e organização social. Há, em troca, uma persistente afinidade entre revolução e puritanismo. “Não conheço qualquer movimento ou regime revolucionário sólido e organizado que não tenha desenvolvido acentuadas tendências puritanas”. Para ele o componente libertário dos movimentos revolucionários nunca foi capaz de resistir ao puritano. “Os Robespierres sempre acabam vencendo os Dantons. (...). Nem os stalinistas nem os trotskistas sentiram qualquer entusiasmo pelos surrealistas revolucionários que batiam às suas portas pedindo para serem admitidas. Os que sobreviveram com política não o fizeram como surrealistas”. E concluiu afirmando que as grandes revoluções do nosso século fizeram “avançar a liberdade sexual (e fundamentalmente) não pela abolição das proibições sexuais, mas por um ato maior de emancipação social: a liberação de sua opressão”.
“Entre os jovens rebeldes, aqueles que mais se aproximam do espírito e das aspirações da revolução social ao estilo antigo (maoísmo, trotskistas e comunistas) também tendem a ser os m,ais hostis ao consumo de drogas, ao anúncio indiscriminado de sexo, ou outros estilos e símbolos de dissidência pessoal. As razões invocadas são, frequentemente, que ‘os trabalhadores’ não entendem nem simpatizam com tal comportamento. Seja ou não assim, o que não se pode negar é que um comportamento como aquele consome tempo e energia e dificilmente é compatível com organização e eficiência”.

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