06 outubro 2008

Gil, um pulsar do infinito (1)

Ele teve papel fundamental em um dos movimentos mais marcantes da música brasileira, a Tropicália. Compositor, cantor, músico, intelectual, político, místico, enfim Gilberto Gil é uma figura complexa e, por vezes, paradoxal. Nos quarenta anos de carreira sempre esteve sob o holofotes da opinião pública para discutir a música popular brasileira, a indústria cultural, o tropicalismo, a problemática da negritude, a meditação e a ciência, a macrobiótica e a tecnologia, o sincretismo religioso e a política, o desenvolvimento de um pensamento ecológico espiritualizado. Assim, ele foi uma figura pública que permaneceu nu, aberto, exposto e disposto ao diálogo.


Quem desejar conhece-lo mais de perto precisa ler seu pensamento de quarenta anos condensado na coletânea de entrevistas que vai de 1967 a 2007. São registros precisos das transformações culturais e políticas acontecidas no Brasil e no mundo. A obra Gilberto Gil organizada por Sérgio Cohn e com apresentação da pesquisadora Ana de Oliveira faz parte da Coleção Encontros da Azougue Editorial. A coleção reúne entrevistas concedidas por intelectuais que contribuíram para a formação da alma brasileira. São depoimentos relevantes nos quais o leitor pode acompanhar opiniões, mudanças de comportamento e pensamento, transformações culturais e evoluções seletivas a períodos distintos. A série foi inaugurada com o lançamento de coletâneas de entrevistas de Vinícius de Moraes, Milton Santos, Rogério Sganzerla, Darcy Ribeiro e Jorge Mautner.

A partir das entrevistas com Gil, é possível entender os motivos que levaram à criação da Tropicália, as transformações ocorridas durante seu exílio em Londres e sua volta ao Brasil em 1972, a evolução da discussão acerca da discriminação das drogas – desde o episódio da prisão do compositor em 1976 até os dias de hoje, o contato com a música africana, a inscrição na política tradicional, a preocupação com a diversidade cultural e as novas tecnologias, antes e após o cargo ministerial, além de uma vasta reflexão sobre sua trajetória artística.

Sempre disposto a descobrir e a percorrer novos rumos, Gil mostra sua origem interiorana na Bahia, seu encantamento juvenil por Luiz Gonzaga, o impacto da descoberta dos Beatles e de Jimi Hendrix no final dos anos 60, seus medos e arrebatamentos nas batalhas tropicalistas, sua guinada espiritual e a reinvenção pessoal durante o exílio em Londres, o retorno e o mergulho na cultura africana, sua fase pop e atuação na esfera política.

É assim o Luiz Gonzaga, que foi o Rei do Baião. Ele é tão emocionante como o Caymmi e João Gilberto. O que eu sinto quando estou diante deles é a mesma coisa: o reconhecimento, naquela figura humana, de um trabalho imenso, de uma dádiva fabulosa para o desenvolvimento da cultura musical brasileira” (1968). “Na verdade, o problema é o seguinte: a arte, ela é instantânea, ela se cria e se dá de imediato ao consumo, ela se dá de imediato ao social – ela se despeja. A ciência é um pouco diferente. A ciência de repente teve que passar a servir aos senhores da guerra, então a ciência trabalha pra estocagem, o que ela produz não pode ser imediatamente dado para o consumo, para o bem-estar social. Por exemplo, o que já se sabe hoje sobre maconha, o que a ciência já sabe hoje sobre maconha, é suficiente para redimir a droga. Pra redimir a planta, tirar dela o caráter de maldição, o conceito de maldito que ela tem. No entanto, a ciência é uma coisa que está sob controle, a ciência não é livre, é apêndice do sistema todo. Ela serve exatamente à tecnologia, à tecno burocracia que são instrumentos do poder e, no nível mais profundo, dos senhores da guerra. É tudo uma questão de você estar do lado que você quer. Saia despreocupado mas tenha certeza de que existe o bem e o mal. O homem resolveu dividir as coisas nesses termos, o que é que a gente pode fazer!” (1976)

Recusando-se a obedecer a lógicas pré-estabelecidas, em 1979 ele já dizia “não sinto nem o dever de estar correto, porque não acho que seja possível todo mundo estar correto a respeito de tudo o tempo todo, nessa diversificação absurda que é o mundo de hoje”. E, em 2004, reafirmou: “não queremos estar sempre certos, queremos estar certos e errados, queremos estar completos”.

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