10 setembro 2008

Ingridianamente

Ela apareceu no final de outono, trazendo ao mesmo tempo vento frio do inverno e o calor intenso no olhar. Irrequieta, intranqüila, instável feito adolescente solar. A garota in. Seu olhar é seguro, firme, verdadeiro. E no seu rosto transparece o sorriso mais bonito do lugar. Tímida, ela passeia pela instituição solarizando as salas obscuras, iluminando as faces turvas daqueles sem paixão. E sem sequer saber dessa força que irradia, ela transpirou magia a todos. Foi como uma luz que se acende na escuridão, um rio de águas límpidas cortando todo o sertão, uma estrela brilhante na imensa noite, solidão.

Quando o seu rosto foi cercado pelo tempo, invernos, verões, primaveras e outonos passarão sem nada do seu tesouro mudar, pois seus olhos tão fundos, cavados e atraentes, não podem tirar a beleza dessa tarde poente, pois o tempo não pára, e conduz a solidão em que tudo se torna nada, sem viço feito folhas ao chão. Não vai desfigurar a minha doce lembrança que emprestado toma, alegre, paga e fica. Nada mais resta só a imagem edifica.

Só se ouvia o toque do salto do seu sapato, em passos lentos, mas fortes, sons compassados e sublimes. E do alto de seu salto ostenta um corpo onde não há lugares para coisas pesadas, na sua dança de luz sem fachada, no equilíbrio que oscila calor e frio, céu e inferno, dia e madrugada. E nesse vai e vem de delicadas paisagens, cintila a vida pulsante de afetos, repletos, inquietos, discretos.

Só de passar nos corredores vazios de vida intensa, ela plana nos ares o sol de primavera, que não queima, mas deixa tatuado na pelo e gosto, o desejo, o apego. E quando o verão chegar, não há saída para o labirinto do ocaso, ela estará queimando a todos como luz no deserto. E daquela meiguice que encanta e arrebata, transformará numa potência que floresce e resplandece. Exalando um perfume oculto no tempo, mas tempera a vida da gente.

Porque não dizer seu nome cabrocha fingida que se esconde em gestos recônditos, em frases entrecortadas, em palavras desordenadas e nos olhos que me prometem estrelas. Ah, sei! Ela é tímida como a chuva fina que cai na manhã, como um rio que corre silencioso entre curvas e relvas, como o sopro do vento nas tardes de primavera. Ela espera. E na esperança de um dia melhor, vai tecendo sua caligrafia que cala, mas liga, fia não solta. Sua escrita marca a pele em lacunas imensas, nada definitivo. Mas quem disse que a vida é definitiva? Que tal palavra é a certa quando o mundo se transforme e a lua nos devora.


Hoje é isso, amanhã é aquilo. Ingredientes perfeitos para uma mutação. Ingridianamente irresistível como força de uma paixão. Só mesmo fogo do vulcão que queima, arde, mata e não deixa cinzas pelo chão. Nessa ruína lembro dos melancólicos redondilhos de um poeta romântico brasileiro pouco divulgado, Paulo Eiró: “O homem sonha monumentos/e só ruínas semeia,/para pousada dos ventos”.

E neste mundo de comunicação eletrônica onde a troca de mensagens é grande, não existe a troca de afetos, do calor do afago, do toque, da carícia. Assim essa menina sorriso discreto parece ter necessidade de afeto, observo numa sensação de que lhe falta algo interiormente, definido de vazio, de carência afetiva. Mas é uma sensação que pode ter muitas faces ou muitas interpretações. Só a psicologia poderá explicar ou meus olhos estão a me enganar e o carente sou eu. No mundo atual as relações afetivas são cada vez mais descartáveis, como disse o sociólogo Zygmunt Bauman, vivemos numa sociedade líquida, onde todas as coisas sólidas começaram a se desmanchar. Mas é o caso dessa menina in, tipo carente, latente, descrente. Ela é muito mais que aparência, muito mais que negligência. E por dentro dessa pele tatuada, há uma garota levada, transada, mal criada e muito mais ousada. Ariana como o signo impõe. Dispõe e supõe. Como o ar de pequena Cherry, quem decide o seu destino é você. E para mim só resta a perplexão: o que? O que? O que?.

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