16 julho 2008

Confissões sexuais de Maria Francisca (2)

A obra do jornalista Sérgio Mattos (As Confissões Sexuais de Maria Francisca) explora o impacto dessa situação atual que o sociólogo Zygmunt Bauman denomina de “sociedade líquida”, quando o indivíduo se vê diante do dilema: precisa do outro, mas tem medo de desenvolver relacionamento mais profundo, que o imobilizam num mundo em permanente movimento. Assim todas as coisas sólidas começaram a se desmanchar. Aonde a liberdade é bem maior e os vínculos se estabelecem e rapidamente se desfaz, sem a dependência. Trata-se de uma sociedade de paixão descafeinada, do açúcar sem açúcar. Eis os tempos modernos. A felicidade é aqui e agora. O futuro, para essa juventude, parece bem distante.

A fina flor do erotismo e da pornografia está guardada num local especializado em livros, gravuras e estampas antigas, reservadas aos pesquisadores. Trata-se do Inferno da Biblioteca Nacional da França. É este nome mesmo. Aqui no Brasil também temos a nossa secção de livros reservados aos adultos.

Na literatura a respeito de erotismo e pornografia, em conteúdo aparece com recorrência em autores diversos: segredo. E seu correlato, secreto. O erótico e o pornográfico são percebidos como uma espécie de revelação de alguma coisa que não deve ser exposta. Ao prazer do mistério eles opõem o prazer do desvendamento. Os dois conceitos parecem estar sempre juntos. Ambos se referem à sexualidade e às interdições sociais e se expressam pela transgressão. São, cada qual a seu modo, expressões do desejo que triunfam sobre as proibições. A fronteira entre eles, se há uma, é certamente imprecisa, já que não depende somente da natureza e do funcionamento das mensagens, mas também de sua recepção, de seu posicionamento entre o admissível e o inadmissível cuja linha divisória flutua no espaço e no tempo.

Ao erotismo é deixado uma porta aberta ao sentimento amoroso. A pornografia supõe uma certa capacidade de excitar os apetites sexuais de seus consumidores. Nesse jogo da segmentação erótico/pornográfico, o imaginário e a fantasia cumprem um papel de importância inegável.

D.W.Lawrence foi perseguido muitas vezes pela censura inglesa com a publicação de “O Amante de Lady Chatterley”. Naquela época ele afirmou que os que atacam o erotismo não passam de hipócritas: “Metade dos grandes poemas, quadros, obras musicais e histórias deste mundo tem uma grandeza no apelo sexual. Em Ticiano ou Renoir, no Cântico de Salomão ou em Jane Eyre, em Mozart ou em Anne Laure, a beleza surge impregnada de apelo sexual...”. Lawrence aponta, enfim, para o grande problema moral do nosso tempo. O povo, moralizado, passou a ser a unidade de medida para definir o que é moral e imoral, erótico e pornográfico. Os moralistas se aproveitam disso como o axioma: vol populi, vox Dei.

Ao qualificar uma ou uma ação de pornográfica, erótica ou obscena, estou tendo uma reação individual ou estou agindo conforme o senso comum?, pergunta Lawrence. É uma questão delicada quando se sabe que o erotismo está associado tanto ao imaginário individual quanto às atividades cerebrais: o espírito livre qualifica como sexuais objetos, seres e até mesmo momentos que em se nada têm de sexuais.

Como escreveu o professor de História da Europa na Universidade de Princeton (França), Robert Darnton, sexo dá o que pensar. “Ao se cristalizar pensamento, especialmente quando aparece em narrativas: piadas sujas, bravatas masculinas, fofocas femininas, canções licenciosas e romances eróticos. Sob todas essas formas, o sexo é não apenas um tema, mas também um instrumento para rasgar o véu que abre as coisas e explorar seu funcionamento interno. Ele serve às pessoas comuns como a lógica serve aos filósofos: ajudar a extrair sentido das coisas. E foi por isso que o sexo propiciou na época de ouro da pornografia, de 1650 a 1800, especialmente na França”.

O que nos excita eroticamente não é uma herança permanente e universal de nossa espécie, é limitada pela cultura e pela história pessoal de cada um. Existem poucas verdades eternas na arte e no erotismo. Está tudo na interpretação, como todos sabem, e as interpretações variam. Estilos e gostos são criados, não nascidos.

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