20 novembro 2007

Tramas do sagrado na poética de Elomar (2)

A trajetória de Elomar é curiosa. Filho de pequeno fazendeiro, aprendeu, de menino, a ouvir a caatinga. Primeiro, na voz rachada dos violeiros errantes do sertão. Depois, ouviu atentamente as cantigas de grilo trazidas pela brisa. Na Fazenda São Domingos, que herdou do pai, plantou café e mantêm vivas todas essas lembranças. Viajou para Salvador e passou 13 anos aprendendo arquitetura e violão clássico. Formado, voltou para Vitória da Conquista. Comprou a Fazenda Gameleira, na serra da Tromba, a 30 quilômetros de Vitória da Conquista, e passou a criar carneiros. Entrou mais fundo no sertão e comprou Rio Gavião, uma fazenda a 102 quilômetros da cidade, por estrada de terra. E é lá que ele cria bodes (um deles, o Francisco Orellana se tornou personagem dos quadrinhos de Henfil) e vive a vida simples dos homens do povo.

Ele não se acostuma com a cidade grande. Prefere ficar a maior parte de seu tempo às margens do Rio Gavião. “Não tenho natureza pra agüentar o meio urbano. A cidade é um curral entupido de gente”. Ele separa o mundo em duas partes, os “urbanóides”, são os que vivem nas cidades, suportam a poluição e nunca encontram tempo para observar qualquer manifestação da natureza. E a outra parte do mundo ele chama de “roçalinos”, os que habitam campos e sabem perfeitamente a orientação das estrelas. São capazes de distinguir a constelação do Cruzeiro do Sul da Flormarion, a última estrela da Via Láctea.

Também são pessoas que enxergam o amor através de outros olhos, pelos olhos de poetas. Não acredita no amor carnal, que ele chama de momentâneo, de instantes apenas. Como as paixões medievais, é adepto e seguidor das paixões platônicas: “Eu canto meu povo, suas dificuldades, sua fome. É claro que há amor nos meu versos. Mas não é um amor carnal. Canto o amor transcendental, que ultrapassa torres, pontes, quebradas, rompe florestas perdidas. Jamais cantarei ´um copo de uísque, a cama desarrumada, o cinzeiro com tocos de cigarros...´.”.

DINHEIRO NÃO

A música de Elomar começou a ser conhecida do público quando, em 1969, sua composição “O Cantador” foi apresentada no Festival Internacional da Canção, no Rio. Naquela canção dizia Elomar: “Apois pro cantador e violeiro/Só há três coisas nesse mundo vão/Amor, forria, viola – nunca dinheiro/Viola, forria, amor – dinheiro, não!”. Em 1973 ele gravou seu primeiro Lp, “Nas barrancas do Rio Gavião”. O disco não fez sucesso comercial e, retirado logo do catálogo pela gravadora Polygram, não conseguiu fazer de Elomar um artista conhecido do grande público. Mesmo assim, até porque quem tinha esse disco guardava-o como preciosidade, foi através dele que Elomar passou a ser conhecido de críticos, musicólogos e interessados, que logo atentaram para a originalidade de sua música e para a raridade de seus versos, escritos quase que num subdialeto sertanejo, cheio de arcaísmo e preciosismo verbais. Aos poucos, ele passou a ser quase que uma legenda dentro da MPB.

“Na quadrada das águas perdidas”, seu segundo disco, já havia uma grande expectativa em torno de sua figura de artista e de sua obra. Com esse trabalho ele ganhou o Prêmio da Crítica de São Paulo e Rio de Janeiro como o “melhor disco do ano de 1980”. Depois lançou o “Parcelada Malunga” (1980), “Fantasia Leiga para um Rio Seco” (1981), “Com Sertão” (1982), “Alto da Catingueira” (1983) uma espécie de opereta, “Cartas Catingueiras” (1983), “Cantoria 1” (1983), “Cantoria 2” (1984), “Sertanias” (1985), “Concerto Sertanez” (1988), “Elomar em Concerto “(1989), “Árias Sertânicas” (1992), “Cantoria 3” (1995) que mais tarde foram relançados pela gravadora Kuarup Discos.

Além das gravações, Elomar tem se apresentado desde 1975 por todo território nacional, ao menestrel e, com orquestras, quintetos, quartetos e outras formações sinfônicas. Fez apresentações na Martinica e na Alemanha Ocidental, onde em 1986, sendo convidado para representar o Brasil no Festival Íbero-Americano, gravou o LP Dos Confins do Sertão (1986), pelo qual recebeu da crítica daquele país, primeiro prêmio internacional. Tem recebido diversos convites para apresentações, na França, Inglaterra, Portugal. Rejeitando a todos ante a insignificância de cachês e propostas.

Assim é o menestrel do sertão baiano, depurando a sua música, conservando a virtuosidade aprendida nas aulas de violão clássico, mas herdando dos sertanejos catingueiros a singeleza contida de suas melodias. Avesso à cidade grande e à sociedade moderna, para ele vazia em espiritualidade, Elomar mantém-se resguardado com suas relíquias protegido pela redoma do sertão. Protestando contra o esquema mercenário das gravadoras, grava sua obra independente e distribui da mesma forma. Mesmo assim, tornou-se um artista singular, que consegue notoriedade nacional sendo avesso à mídia.

Um comentário:

Unknown disse...

Assisti Elomar em Londrina PR, na década de 80, num projeto cultural chamado de Projeto Pixinguinha. Foi impressionante. Compactuo com algumas idéias dele com relação ao urbanoide. Aprendi muita info con estes comentários do Gutemberg. Mt bom!